sábado, 20 de junho de 2015

O que é a vida?

Quando você entra no carro, as malas no porta malas, toda a farofada pronta, mapas sincronizados, liga a "música de viagem", você pensa que logo vai chegar, que logo vai começar a aventura. Bom, a aventura já começou faz tempo. Começou quando você era uma célula fertilizada, que se dividiu algumas vezes, cresceu e tomou forma. Depois de parasitar uns meses resolveu ser independente, cortou o cordão (cortaram) e você abriu os olhos para um mundo novo. E todos os dias você abre os olhos e vê um mundo novo, mas você cresceu e mudou e perdeu a capacidade perceptiva. Na verdade, você se tornou um ordinário ser pensante e, convenhamos, a ignorância é uma bênção. E aí você se vê aos trinta, esperando começar uma aventura que te dê algum sentido para a vida, quando na verdade você já está no meio da sua aventura particular e nem sabe.
E, se você tiver a felicidade de perceber isso, vai compreender que a vida não é exatamente uma aventura, que é mais um fim da conspiração universal, totalmente desprovido de sentido. Isso pode te levar a loucura de querer encontrar o sentido e aí lá estará você perdido, novamente, em busca de alguma coisa que não existe, para preencher um vazio que você inventou, sendo que você poderia apenas fluir junto com todo o universo, como deve ser.
Mas, se não tiver essa felicidade, que me parece mais uma infelicidade quando vista a longo prazo, aí, então, poderá seguir o rumo da espera pelo início da aventura que não começa nunca e morrer esperando, sem ao menos se dar conta disso. Essa alternativa, provavelmente, é a mais alegre ao mesmo tempo em que é, como se possível, ainda mais desprovida de sentido, dentro de toda a falta de sentido que é a vida e a busca pelo sentido das coisas.
E, como acabei inclinada a preencher o seleto grupo de pessoas felizes que percebem e acabam infelizes com tanta falta de sentido, parei de frequentar a igreja (a igreja é uma bênção assim como a ignorância, mas já tomei a pílula vermelha, "bem vindo a matrix") e pude contemplar toda a minha infelicidade até que um dia me vi numa encruzilhada mental sobre o meu destino: uma morte induzida e indolor, uma vida sedada por drogas psicotrópicas ou a materialização de toda a falta de sentido, me tornando um vagabundo que vaga sem documento, sem rumo ("sem lenço nem documento").
Ocorre, meus caros, que eu sou preguiçosa demais para morrer e correr o risco de (se houver vida após a morte) ter de passar pela ignorância, pílula vermelha e etc tudo de novo. Quantos às drogas sejamos francos, descendo de uma merda de uma família pobre, motivo pelo qual estudei igual uma condenada tentando realizar o sonho da mamãe de ter um diploma universitário e depois comecei a trabalhar igual um cachorro, se eu me drogar igual doida onde é que, raios, vou ter dinheiro para comprar mais e mais drogas? Já a opção, até o momento, mais plausível de me tornar um vagabundo, de cara não convém porque (como se não bastasse) nasci mulher e tudo é mais difícil para as mulheres, elas não podem perambular por aí porque é perigoso e eu sou mulher, daquelas pequenas e frágeis, com bracinhos finos que não dão conta nem de socar o pilão.
Resumindo: o fato é que eu estava fadada a infelicidade, sem qualquer opção de mudança. Bem vida a realidade. Pelo menos o fato de você não se encantar com nada e não encontrar o seu lugar ao sol foram explicados e você pode simplesmente continuar vivendo sua vida de não se encantar com nada e de não ter o seu lugar ao sol. Mas pelo menos agora você sabe o porquê.