sábado, 17 de dezembro de 2011

Se vão.

Eles se vão. Se vão e se voltam, por vezes revoltam. Vão os jovens e as almas, as plumas, as balas. Eles vão para lugar nenhum, incomum, apenas lugar. Olham para o além, nada vêem, só querem estar. Sentem o vento e sentem a chuva, não sentem o frio que perturba. Jovens que gritam palavras vazias. Pobres mentes aflitas. Eles se vão. Se vão e se voltam, se revoltam e passam. Crescem e envelhecem e por vezes ainda revoltam, quando se voltam.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Quando me cansei

Cansaço. Sinto-me cansada, quero poder sentar na varanda e apreciar meu silêncio e minha mortalidade. Quero minha alma pacífica e inerte, quero meu corpo amortecido e inútil.
Sombras que passam pela janela, mais que isso, sombras que acalentam meus pensamentos e esfriam meu coração. Elas me tomam quando menos espero, numa surpresa cruel e irônica - pode-se dizer, sim, que até irônica.
Vulnerável que sou, quanto mais me dou conta disso, mais me limito e permito que adentrem por meus caminhos, acabo eu mesma presa em meus labirintos, perdida nessa escuridão que eu mesmo faço.
Os sonhos vão se distanciando mais e mais, quero poder parar o tempo, quero perdê-lo. Por mim passaria o tempo longe, eu apenas o veria, "vá tempo, suma daqui, há muito que te quis por perto, hoje quero o nada, puro e seco, estou cansada de correr atrás de ti." E ele embora ia e me deixaria aqui, apenas nas lembranças.
Minha cadeira balança serena e minha colcha de retalhos não faz diferença alguma, este frio vem de dentro, irradia de minhas próprias entranhas. Não há o que fazer, estou cansada.
Mas a vida não pára, segue sempre correndo esta louca, impertinente. Natureza maléfica destas misticidades, já não quero compreender, nada mais quero, quero me perder desta canseira que escoa por todos os meus poros, que faz de mim este ser enfermo. Cansei de tudo, do mundo, dos sonhos - tão distantes ficaram. Cansei do rumo e do atalho. Cansei de minha própria companhia, de todas as coisas que eu não entendo. Canso até mesmo de estar cansada há tanto tempo. Parei o tempo que corria dentro de mim, parei tudo e parei nada.
Risos rebolaram vibrando qualquer silêncio, acordando os novos velhos e as almas vazias.
Uma bolha de sabão estourou na sala e lá na esquina ainda sentiram seu sabor, doce como a verdadeira alegria.
As fofoqueiras esqueceram seus casos de amor e os meninos suas revistas. Mães apenas admiravam seus bebês e um adolescente sorria, enquanto ela novamente abria seus olhos para a vida.
E então tudo tomou forma e como mágica foi facilmente compreendido.
Como se fossem palavras escritas no ar para serem lidas e admiradas.

De repente um som cortou a escuridão e uma palavra subiu às nuvens, enquanto uma lágrima caia serena, enquanto uma fagulha de coração se perdia.

Logo à frente um choro se fez ouvir, tão estridente quanto o riso que o fez seguir e balões dobraram a esquina dos sonhos enquanto escrevia seus enfadonhos cantos.

E num mundo carente de sentidos, onde regras existem para serem mudadas, onde não conhecemos mais as palavras, somente um grito pode, como verdadeira arte de expressão, ser considerada.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

De quantas estrela é feito o céu? Quantos desejos habitam o universo? Hoje deixo nada além de um suspiro, pois sou um poeta sem verso.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Inacessível

Puro sossego. Parei o tempo. Não há mais relógios neste mundo que me encontrem. Não existem telefones ou celulares, nem mesmo Internet sei do que se trata.
Vivo num bolha, ou melhor, eu vivo o mundo real. O meu mundo.
Num mundo onde eu sou eu, onde não sou simplesmente encontrada ao bel prazer de quem procura. Num mundo onde a privacidade tem um significado verdadeiro, onde escolho e vivo meus momentos.
Neste mundo onde por vezes preciso fechar os olhos e recomeçar. Onde as vezes eu preciso chorar. Onde meu riso pode ser alto e desafinado, ou não, enfim.
Amores podem ser vividos a flor da pele, não há sociedade para fazer seus julgamentos.
Meu mundo será também daqueles a quem eu escolher, só convidados farão parte.
Há muito tempo deixei de ser apenas um perfil na sua tela, finalmente aprendi o significado de viver. Ou não. Enfim.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Carta de Adeus

Sonhei um dia vê-lo acordar sorrindo, como num dia distante já esquecido na memória, te vi. Gostaria de vê-lo rindo do sol, sem brigas com o despertador. Um dia quero vê-lo feliz!

Sempre me atrapalhei, foram difíceis tempos de mal-entendidos - você saiu ferido em seu coração, eu sei. Minhas tentativas de demonstrar carinho e apoio foram vagas, o trabalho e a preocupação que te deixaram exausto permanentemente por minha causa foram gritantes.

Claro, os tempos foram difíceis e muitas noites, quando você achava que eu dormia e permitia que seus temores tomassem forma eu pensei em te deixar e assim tirar o maior fardo de suas costas... desculpe, fui fraca e egoísta o suficiente para me permitir uma noite a mais e noite após noite eu menti para mim mesma prometendo que seria a última - promessas vagas, como tudo o que fiz.

As noites de tempestade demoraram a passar, mas a bonança veio enfim. Não vou mentir - não agora, quero pela primeira vez lhe falar com toda a minha verdade e franquesa, até porque é a última vez que te falo - a bonança afastou de mim qualquer vontade de ir embora. Tola! Demorei a perceber que eu não só acentuei suas angústias, pior que isso, eu atenuei suas alegrias - e por isso peço desculpas.

Tantas vezes que já perdi a conta desejei morrer para deixar a última lembrança de felicidade viva (mesmo que falsa felicidade), queria para mim a salvação das dozenlas: a morte.

Você me disse vezes sem fim a sua dor, desabafou e pediu; em minha pequena compreensão do mundo escutei tudo calada sem ao menos ouvir. Aos seus rompantes eu chamei "exageiro", "mau gênio" ou "nervosismo", sim, seus momentos felizes, quando você se iludia dando-me o crédito serviram para massagear meu ego e continuar neste "conto de fadas" as avessas.

Sinto por tudo. Hoje posso ver sem as névoas que deturpavam minha visão anos a fio. Tudo resume-se no tic-tac do relógio, é inevitável e já não era sem tempo de você ser livre e feliz, lento tic-tac. Toda a minha felicidade passou rápido, posso dizer que dificuldades também foram milésimos de segundo se comparadas a isto. A verdadeira dor nos atinge no íntimo da alma e como veneno se espalha lenta e certeiramente, amordaçando nossos nervos. Este corpo pesado só temo que lhe é merecido. Há cores que se derramadas podem alterar todas as bases e eu sou esta cor no seu mundo.

Agora que posso visualizar seu futuro de paz, enquanto sigo em uma direção oposta, peço um último perdão: sei que não mereço mas a vida parecer permitir-me a salvação das donzelas - enfim! Quem sabe eu seja mais parecida com Capitu do que com Lucíola, o fim chegou tarde demais para salvar minha alma, mas protegerei se possível o que este fim está salvando da sua.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Anjo Errante

Era uma vez um anjo que queria ir para casa mais cedo naquela incrivel tarde de sexta-feira. Todos os seus amigos haviam cumprido a cota há horas e só ele ainda tinha trabalho a fazer. Trabalhava já há dois anos no departamento de renascimentos, guiando as almas e fazendo a programação de suas próximas vidas, conforme seus talentos e necessidades. E foi assim que, por causa do tal do "happy-hour", eu nasci no dia, lugar e corpo errado.

Este anjo preguiçoso, cujo nome me comprometi a guardar em segredo (fiz um acordo com os superiores, expô-lo poderia gerar grandes manifestações de indignação), deveria me preparar para a reencarnação. Infelizmente, para mim, naquela sexta-feira o anjo dormiu até mais tarde, seu despertador aureolar descarregou devido a uma tempestade que se deu na madrugada, de forma que ele perdeu a hora. Com esse imprevisto o anjo não pôde fazer o horário de almoço às treze horas como de costume e assim seguiu com fome no trabalho a tarde. Porém, trabalhar durante o almoço não foi suficiente para agilizar suas ordenações daquele dia, porque seu primeiro caso havia sido muito complicado. Uma senhora que necessitava reencarnar se negava veemente, afirmando que pertencia ao mundo dos anjos, que na verdade era muito melhor que todos os anjos juntos e ela, somente, deveria servir ao Superior.

Casos como este são realmente difíceis de contornar. Para um dia difícil nada melhor que um problema difícil! Pobre anjo teve usar toda a sua paciência para convencer a mulher a embarcar no carro reencarnador, usou inclusive de um ofício direto do alto departamento que solicitava, quase coercitivamente, que a mulher embarcasse antes do meio-dia. Felizmente o problema foi resolvido, mas com isso a programção diária se viu toda atrapalhada e na falta do almoço lá se foi o anjo sonhar com o happy-hour e deliciosas porções de nuvens negras tostadas.

Eu, na minha grande insignificância, era o último caso do dia, ou melhor, da semana. O anjo com fome e cansado leu meu nome na ficha 57901, mas apanhou a ficha 57091 - foi ai que tudo começou.

Sempre fui uma alma solitária. Em minhas encarnações vaguei pelo mundo, fui andarilho, pastor, pensador... sempre e sempre sozinho. Uma alma assim se solidifica só. Em minha próxima existência deveria eu encarnar como um poeta boêmio. Minha companheira única seria uma garrafa de Rum barato. Conheceria todos os bordéis e tabernas, mas somente me sentiria completo no recanto de um quarto mofado, solitário, escrevendo poemas que ninguém haveria de ler, mas me renderiam alguns poucos trocados que eu trocaria em bebida ao invés de pão.

O anjo cansado e de má vontade me botou num corpo feminino, cheio de não me toques, numa cidade pequena onde eu cresceria rodeada de gente que me queriria bem. Assinou abaixo do protocolo e correu para a sua vidinha de fim de tarde com seu time de futeaureolas. Eu viajei para o mundo pensando que acordaria conforme o programado, afinal após dois mil anos de espera na fila, o corpo errado seria a última das minhas preocupações.

Durante minha vida sempre tive meus rompantes. Dos doze meses do ano sempre precisei me trancafiar no quarto por pelo menos uns três, sozinho no meu recanto. Era assim que eu podia depois da minha "hibernação" retornar ao mundo e ser feliz, conviver normalmente em sociedade. Meus pais diziam que eu era apenas uma rebelde, mal sabiam eles que era algo muito mais profundo.

Por volta dos treze anos as coisas foram ficando mais claras para mim. Até este meio tempo fiz poucos amigos, alguns para todo o sempre, outros apenas para boas risadas. Já minha produção literária, embora crescente, sempre medíocre (alguma coisa seguiu conforme o planejado!). Quando todos a minha volta começaram a se interessar por romances, lá estava eu descobrindo estantes de clássicos empoeirados na biblioteca. Com 15 anos já sabia qual seria o meu futuro: Eu seria uma daquelas velhas de cabelo branco que nunca se casaram, moram numa casa cheia de gatos, que no meu caso seria cheia de livros, claro.

Mas, graças ao anjo minha programação fora mudada e embora eu tentasse e tentasse seguir o plano, isso ficava cada vez mais difícil. Casei. E por muitas e muitas vezes eu pensei que acabaria me separando antes de ter filhos, porque eu levava mais jeito para solteirona. Tive filhos. E por muitas e muitas vezes pensei que acabaria me separando, sendo uma daquelas fortes mulheres que criam os filhos sozinhos, que no fim eles teriam um futuro brilhante longe da mãe e eu seria praticamente como uma solteirona.

Muito embora meus filhos demonstrarem grande capacidade, nenhum deles foi muito longe da mãe. Meu marido não me abandonou. Eu me concentrei exaustivamente na tarefa de esposa e mãe e não me afoguei em nenhuma garrafa de rum, vinho ou vodka. Também não foi o caso de eu me tornar uma grande escritora. Dediquei toda a minha habilidade da escrita para petições perfeitas e recursos plausíveis, que me renderam dinheiro suficiente para não precisar morar atrás de um bordel, num quarto mofado.

E foi assim, que aos 79 anos (apenas 50 anos mais tarde do que o que deveria ser e nunca foi) eu morri. Rodeada por uma família, amigos, um pouco de dinheiro e uma vida feliz. Embora tenha tentado muitas vezes voltar para o plano original (apesar de não saber, conscientemente, que era isso que eu tentava) consegui seguir o curso dessa vida de surpresas, que em todos esses milhões de anos eu nunca havia experimentado. No começo foi difícil, alguma coisa me faltava, mas trabalho, filhos, casa, o layout de um “sonho americano” toma tempo e aos poucos fui me esquecendo do vazio e o enchendo com outras coisas.

Chegando ao céu fui recepcionada pelo anjo programador que me aguardava ansiosamente. Durante todos esses anos ele esteve em observação, aguardando pelo meu relatório para ser demitido. Mas, após tanto tempo o que eu poderia escrever? Mesmo se eu tivesse tido uma vida triste e sofrida, depois de morrer novamente não importaria mais, escrevi o relatório e acabamos num happy hour, no fim da tarde, no bar da nuvem dois.