quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Ainda era muito cedo. Os olhos não conseguiam abrir, fosse por falta de coragem ou pelas pálpebras aparentarem estar coladas de remela. O fato é que o despertador, fiel baderneiro, sitiante que tenta sempre acordar antes do galo, o fato é que o despertador estava longe, pelos menos 3 passadas largas de distância e berrava mais que criança quando vê bicho-papão. Certamente um EU inescrupuloso preparou tal ardil na noite anterior, consciente do meu desejo matutino, mas totalmente inconsciente das minhas verdadeiras necessidades. Nessas horas, quando o sol nem nasceu ainda e o despertador insiste em tocar, estando a três metros de distância da nossa mão, descobrimos o quanto podemos nos auto-odiar, eu tive essa sensação hoje, bem cedo!

Tudo isso ainda poderia ser um fato aceitável. Eu estava concentrada em fazer meus ouvidos se acostumarem ao barulho estridente do despertador e voltar a dormir como quem ouve melodias, mas a cada PIII que o danado fazia meu corpo se movimentava involuntariamente como se levasse um choque. Vencida assim, pelo meu EU nada simpático de ontem, levantei aos tropeços, no mais completo escuro, tendo como ponto de referência o 6:00 a.m. que cintilava em neon. Uma vez vencido o “cúmplice” a idéia de voltar para a cama que me acenava como quem diz “aqui você encontrará a paz”, com seus lençóis revirados e o acolchoado quentinho, era algo tentador. Quem sabe se eu só desse mais um deitadinha para me despedir da “rainha dos bons sonhos” não faria mal nenhum. Caminhei, ainda cambaleando, de volta ao meu recanto do aconchego, me envolvi nos seus ardis e lentamente meus olhos foram fechando, se despedindo destes últimos minutos de tormento.

Veio o bocejo, me aninhei quentinha e ao respirar lenta e profundamente senti algo errado. Talvez uma obstrução nasal. Um espirro involuntário e pronto, alguma coisa presa no meu nariz. Será que dormir tranqüilamente é algo realmente impossível? Será que é um desejo que não podemos alcançar? Algum crime talvez? E lá estou eu presa entre a miragem do meu sono suave e a realidade de um tatu, daqueles bem grandes, me incomodando. Não, claro que vencido três metros de distância até o despertador nada poderá me deter agora. Tento pegar esse intruso com o meu indicador, mas não consigo. Tento o mindinho, que vai mais longe, mas ainda assim, está muito bem agregado as minhas paredes nasais. Será possível uma coisa dessas?

Recuso a perder minha tranqüilidade por conta de um tatu. Aperto o nariz, tento puxar com o dedinho, faço meu nariz se movimentar nos 360° e nada! Só vejo uma saída possível, assuar. Levanto de um pulo e corro pro banheiro, quanto menos tempo perdido melhor. Assuo na pia do banheiro, nada de sair o penetra. Assuo de novo, e ainda outra vez e nada. Danado de um tatu que não quer sair. Tento simpatia, pinça, unha, uso papel higiênico e nada. Claro, vou tomar um banho, com o vapor ele amolece e sai, que idéia brilhante.

Entro no banho, a água cai macia na minha pele, molho o cabelo, me demoro passando xampu, o banheiro está todo fechado, a água quente vai fazendo o trabalho e depois de meia hora de um banho bem tomado, num banheiro que poderia ser confundido com uma sauna, mas na verdade é minha última esperança, lá vou eu. Só falta o nariz. Me concentro bem, respiro fundo, prendo a narina que me resta com o dedo e, com toda a minha força, expiro o ar de dentro de mim, expiro até sentir que o último “grãozinho” de ar tenha saído pelo meu nariz, expiro até sentir meu corpo gritar por ar, até me sentir mole e fraca.

Aos poucos me recupero da “operação de resgate” e passo para a parte 2, avaliação dos resultados. Procuro na palma da mão, não está. Vou procurando pelo chão, nas paredes e, na parede do Box, como se estivesse grudado com cola (acho que a pressão foi grande) lá está! O tatu, que mais parece uma jamanta de tão grande, finalmente saiu. Meu nariz é só meu novamente! Aliviada, saio do banho, com a alma renovada. Feliz por ter vencido, volto saltitante para meu quarto, abro a porta e dou de cara com o neon “7:45 a.m”. Ah! Tatu Fi#@.!#Ç~! Meu sonho de dar mais uma dormidinha foi pelo ralo do banheiro junto com meu tatu, “to atrasada”.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Presságio das cerejeiras


Hoje é um novo começo.
Olhando para trás eu vejo, hoje eu vejo que muitas coisas não faziam sentido. Vejo que muitas coisas não foram ditas. Vejo que muitas coisas não foram evitadas. Hoje, e apenas hoje, eu posso ver que muitas, muitas coisas aconteceram, muitas coisas com as quais eu quase não pude conviver, coisas que me fizeram chorar, que por pouco não me fizeram desistir. Coisas acontecem no decorrer de uma vida, não é mesmo?!
Sempre pensei que minha vida era repleta de coisas sem sentido nenhum, até hoje guardo um pouco desse sentimento dentro do meu coração, esse sentimento de caminhar sem lugar para ir, de apenas seguir em frente, apenas sobreviver. Mas, hoje eu pude perceber que apesar de tudo isso, ainda assim, nada é desperdício, nada do que foi vivido é totalmente sem sentido. Hoje eu compreendo que eu sou essa pessoa porque tantas e tantas coisas tolas foram vividas e isso até me faz feliz, perceber isso me faz querer seguir em frente. Mesmo que eu não tenha sentido algum para minha existência, mesmo que eu não tenha um lugar para chamar de meu, mesmo assim, ainda, tantas memórias guardadas no mais profundo íntimo da minha alma me fazem querer seguir em frente, me fazem acreditar que há um sentido para tudo, um sentido para estar vivo. Eu quero acreditar nisso. Assim, acreditando nisso, a partir de hoje, não vou mais chorar, não vou mais sobreviver. A partir de hoje, quero guardar boas memórias, quero olhar para o passado sem tristeza e sem remorso, quero viver.


Sinto um calor escorrer pela maçã do meu rosto, só um lágrima. Abro os olhos. O avião ja está quase vazio, todos saíram correndo, desesperados, talvez para encontrar com seus namorados, seus pais, seus amigos. Eu não tenho ninguém por quem correr. Eu tenho aqueles que me levam, sem perguntar para onde eu quero ir, simplesmente vão me levando por esse longo caminho que eles traçam para mim.
"Para o seu bem", "Nós estamos pensando no melhor para o seu futuro", são coisas que cansam de ouvir. Quando nós mesmos não somos capazes de entender o íntimo do nosso coração fica difícil acreditar que alguém saiba o que é melhor para você, não é mesmo?! As profundezas do ser humano, a mim, lembram o fundo do mar. São cheios de mistérios, tesouros, por mais você tente ir mais e mais fundo, sempre descobrirá que não foi o suficiente, sempre haverá um lugar que não se pode chegar, que não se pode ver o interior. Assim somos nós, seres cheios de profundezas escuras e enigmáticas. Sem saber o que é melhor para mim mesma, vou seguindo o que me dizem para fazer. Eu os sigo porque eles sempre dizem que eu vou ser feliz, quero realmente acreditar nisso. Quando o avião pousa na pista, as pessoas correm retornando para quem os espera, para o lugar ao qual pertencem eu me pergunto para onde eu deveria voltar? Quem iria me esperar?
Acredito que o tempo envelhece as coisas; não só os rostos, mas também os laços. Nossos laços vão ficando velhos e frios, empoeirados, se deixarmos por conta do tempo, sem a manutenção necessária.
Agora vejo o florescer das cerejeiras. Suas folhas são substituídas por flores cor de rosa. Tão bonito. As pessoas que apreciam este florescer parecem assimilar a beleza deste detalhe da natureza e transformá-lo em felicidade. É assim que sinto agora, como se algo promissor esperasse por mim. Nunca senti isto antes.
As risadas que um dia compartilhei com aqueles que não mais estão ao meu lado ainda ecoam no meu coração. Me sinto aquecida por dentro, acho que estava certa quanto ao bom presságio das cerejeiras. Elas me dizem que hoje é um novo começo. Agora que pude entender tantas e tantas coisas, agora posso começar a viver.







~~Lo.thalyta
~imagem pega no google imagens - Sakura (cerejeira)